Israel-Hamas: o que você precisa saber sobre a guerra que completa um mês

O campo de refugiados de Al Shati em Gaza foi atingido por ataques aéreos. Foto: Unicef/Mohammad Ajjour
No dia 7 de outubro, um ataque surpresa do grupo Hamas contra a população de Israel dava início a uma sangrenta guerra que completa um mês nesta terça-feira (7).
Desde então, mais de 11 mil pessoas foram mortas (entre palestinos e israelenses), cerca de 240 são mantidas como reféns pelo Hamas e regiões na Faixa de Gaza foram completamente destruídas por bombardeios.
Com o grande volume de desinformação que circula sobre o assunto, há muitas dúvidas a respeito do conflito, algumas delas foram enviadas pela audiência da Lupa via redes sociais. Com ajuda do doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, explicamos as origens deste conflito, por que ele dura há tantas décadas e o que é o Hamas.
Por que Palestina e Israel vivem em guerra? 
O conflito entre Israel e Palestina tem em sua essência uma disputa sobre o controle da Terra Santa, que é sagrada para três grandes religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. “É um território que algumas pessoas chamam de Israel, outras pessoas chamam de Palestina, mas que tem em comum o fato de ser sagrado, de ser muito importante para todas essas culturas e religiões”, explica o professor Maurício Santoro. 
Esse território, disputado por palestinos e israelenses, já foi ocupado por muitos impérios. O último deles foi o antigo Império Otomano, controlado pelos turcos, mas que envolvia várias religiões e povos. Desde que esse império foi destruído na Primeira Guerra Mundial, não houve mais paz no Oriente Médio. Começava ali uma sucessão de guerras e disputas de grupos políticos.
Após a Primeira Guerra Mundial, a região do Oriente Médio foi dividida entre franceses e britânicos. Durante esse período, houve a promessa do “estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina” por parte do governo britânico. Entretanto, disputas internas sobre essas fronteiras causaram uma série de conflitos que ressoam até os dias de hoje. “Trata-se da absoluta incapacidade de chegar a alguma solução diplomática para tentar criar ali um sistema de Estados independentes que fosse minimamente respeitoso do desejo de cada um desses povos com liberdade e autonomia”, destaca Santoro.

Por que o Estado de Israel foi recriado no Oriente Médio? 

Na Antiguidade, existia um reino chamado Israel, que passou por uma série de crises e acabou sendo invadido e conquistado pelo Império Romano. 
Os romanos baniram dessa região a elite judaica, os sacerdotes e os líderes políticos. Todos eles foram para um exílio e o local foi rebatizado com o nome de Palestina. Esse é o nome pelo qual a região — que vai da fronteira sul da península de Sinai, no Egito, e tem como fronteira no leste o Rio Jordão — foi conhecida desde então.
No final do século 19 surgiu um movimento político chamado Sionismo, que defendia a recriação de um Estado nacional para os judeus, a recriação de Israel. Isso aconteceu em um momento de grande nacionalismo na Europa, em que países europeus estavam criando seus Estados. Várias alternativas foram consideradas, como recriar o território na África, mas a principal era a recriação de Israel no seu lar histórico, não só pela questão da ligação com aquela região, mas porque já havia um movimento de migração de judeus para a Palestina fugindo dos massacres e perseguições na Europa.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha precisava de apoio diplomático e, pressionados pelo movimento sionista, seus líderes assinaram uma declaração dizendo que eram favoráveis à ideia de recriar um Estado judeu no território da Palestina. A declaração teve grande peso pois, com o fim da guerra, os britânicos assumiram o controle da Palestina.
A ascensão do nazismo na Europa fez com que o movimento sionista ganhasse força, principalmente depois do Holocausto, levando a uma mudança no cenário político global pela criação do Estado de Israel.
O caso foi levado até a Organização das Nações Unidas (ONU), recém-criada na época. A ONU apresentou um plano de divisão do território para construir dois Estados: um chamado Israel, dos judeus, e outro chamado Palestina, para os árabes. Jerusalém, a cidade sagrada do judaísmo, do cristianismo e do islã, seria colocada sob um sistema de controle internacional. Mas a resolução da ONU nunca foi seguida. A partilha sempre foi rejeitada pelos países do Oriente Médio.
Em 1948, o Estado de Israel foi criado e isso resultou na chamada Guerra da Independência contra países como Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque, que atacaram o território recém-delimitado.
Ao longo desse conflito, Israel conseguiu expandir o território inicialmente desenhado pela ONU, tomando parte da região da Palestina. O Estado palestino nunca foi totalmente estabelecido. Hoje, no entanto, o território palestino se limita à Faixa de Gaza (controlada pelo Hamas) e à Cisjordânia (controlada pela Autoridade Nacional Palestina). 
Comboios de ajuda entram na Faixa de Gaza através da fronteira de Rafah. Foto: Unicef/Eyad El Baba
Houve tentativas de acordo?
Nos anos 1990, houve uma série de acordos de paz, conhecidos como os Acordos de Oslo, que criaram o embrião de um Estado palestino na região da Cisjordânia, com capital em Ramallah. Esse Estado existe formalmente, é reconhecido pelo Brasil e por várias outras nações. No entanto, tem um controle muito frágil sobre o território, com capacidade muito baixa de implementar políticas públicas, diz Santoro. 
Os acordos de paz nunca conseguiram chegar a uma solução que contentasse os dois lados, principalmente por causa de Jerusalém, que é uma cidade sagrada para as três religiões. Nem mesmo no plano de partilha da ONU havia uma solução para Jerusalém. A ideia previa um controle internacional, mas nunca houve, de fato, uma proposta que funcionasse. 

Em que contexto surge o Hamas?

O Hamas surgiu em 1987 e tem uma vertente política diferente de outros movimentos palestinos que existiam até então. É um movimento nacionalista e religioso como indica seu próprio nome, que significa Movimento de Resistência Islâmica. Em árabe, Hamas também quer dizer algo como “fervor”, “zelo”.
O Hamas nasceu muito ligado à história da Faixa de Gaza, de grupos palestinos que estavam na região lutando contra a ocupação israelense. Também foi um movimento muito contrário aos pactos de paz que foram negociados nos anos 1990, porque julgava que esses acordos não eram suficientes para criar um Estado palestino viável. 
Ao contrário de outros grupos palestinos, que têm uma história mais ligada ao socialismo e ao marxismo, o Hamas nasce inspirado pela revolução islâmica no Irã e pela criação do Hezbollah, no Líbano. A ideia é que a criação de um Estado palestino autônomo vai se dar muito mais pela via da religião do que por uma ideologia política secular.
O Hamas é um grupo que tem uma história violenta e brutal, com uma postura ligada ao enfrentamento de Israel, inclusive com ataques a populações civis. Nos anos 1990, na implementação dos Acordos de Oslo, o Hamas lançou uma onda de atentados suicidas contra Israel.
O controle da Faixa de Gaza é feito pelo braço político do Hamas. As ações militares são feitas pelo braço militar, as chamadas brigadas Izz ad-Din al-Qassam, fundadas em 1992 para apoiar a resistência armada contra a ocupação israelita dos territórios palestinos. Segundo registros da CIA, elas possuem entre 20 mil e 25 mil membros. Foi o braço armado o principal responsável pelos ataques em 7 de outubro. Há ainda um braço social que atua na administração de escolas, restaurantes e orfanatos voltados à população mais carente. 

Quem apoia e financia o Hamas?

Os grandes aliados internacionais do Hamas sempre foram o Hezbollah, no Líbano, e o governo do Irã. Todos têm em comum posições contrárias a Israel. O Hamas tem uma ligação histórica também com a Irmandade Muçulmana, que é uma organização islâmica que surgiu no Egito. Alguns dos fundadores do Hamas pertenciam a esse grupo.
O Hamas é um movimento internacionalizado desde a sua fundação, lembra Santoro, e nunca teve dificuldade de conseguir recursos financeiros: “Sempre encontrou doadores entre os países árabes ou entre o Irã para se manter atuando politicamente”. 

O Hamas é a Palestina? 

Não existe um movimento político unificado que fale em nome dos palestinos. Ao longo dessas várias décadas de guerra, houve momentos em que a liderança do Movimento Nacionalista Palestino esteve com outros Estados árabes, como o Egito, a Síria, a Jordânia. A partir dos anos 1960 foi criada a Organização pela Libertação da Palestina (organização multipartidária da qual o Hamas não faz parte), que é, até hoje, o principal canal das reivindicações da Palestina. 
A OLP, como é chamada essa organização, era um grande guarda-chuva que reunia vários movimentos palestinos diferentes, a maioria deles ligados à esquerda política, movimentos nacionalistas e socialistas. Contudo, esses movimentos tiveram uma história de muitas derrotas e poucas vitórias.

Além do Hamas, quais outros grupos atuam na Palestina? 

O grande opositor do Hamas é o grupo Fatah, principal grupo da Organização pela Libertação Palestina (OLP). É um movimento que, historicamente, esteve muito ligado à figura de Yasser Arafat, considerado o líder palestino mais importante do século 20 e com maior reconhecimento internacional.
O Fatah comanda a Cisjordânia, controla a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que é um Estado palestino embrionário, restrito, limitado, que existe desde os anos 1990. Diferente do Hamas, é um grupo que tem uma interlocução maior com a União Europeia, com os Estados Unidos e outros países para fazer acordos e concessões. 
Em 2006, o Fatah e o Hamas se enfrentaram na Guerra Civil Palestina, que culminou na vitória do Hamas. Esses movimentos têm um histórico de relações conturbadas. Ambos chegaram a formar um governo de união nacional em 2007, mas ele foi dissolvido pouco tempo depois. No mesmo ano, após confrontos armados, o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza e expulsou o Fatah da região. 
O Hamas é o maior dos movimentos islâmicos palestinos. Em sua carta de fundação, estabelece como objetivo a luta armada contra Israel. Já o Fatah é considerado atualmente um partido laico e moderado, defensor de um acordo de paz que divida o território entre Israel e Palestina e ponha fim aos conflitos na região.
Autoridade Nacional Palestina (ANP), por sua vez, é um órgão independente e provisório, criado na década de 1990 para liderar um governo de transição até o estabelecimento do Estado da Palestina. O atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, é membro do Fatah, partido ao qual o Hamas faz oposição.

O que é a Faixa de Gaza?

É um território de 41 km de comprimento no extremo sul da Palestina. É parte do território palestino e faz fronteira com Israel e com o Egito. Atualmente quem controla a região é o Hamas.
É uma região economicamente muito pobre, onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas em condições muito precárias, com falta de saneamento básico, saúde, educação e moradias adequadas. Cerca de 80% da população de Gaza depende de ajuda internacional, segundo a ONU.
Mapa do território da Faixa de Gaza
Por quase 40 anos, entre 1967 e 2005, Israel controlou Gaza, onde construiu assentamentos judaicos. Em 2005, após pressões externas, entregou o território à Palestina. Desde 2007 o território é governado pelo Hamas, que expulsou as forças da Autoridade Palestina da região e formou um governo próprio, não reconhecido pela maioria dos países. 
Várias restrições têm sido impostas por Israel e Egito à população de Gaza. O espaço aéreo, por exemplo, é controlado por Israel, que restringe quem e quais mercadorias podem entrar e sair pelas fronteiras. Para tentar contornar os bloqueios, o Hamas construiu uma rede de túneis subterrâneos para transportar mercadorias para a Faixa de Gaza. 
O professor Maurício Santoro lembra que, na disputa desses territórios, Israel nunca reivindicou a Faixa de Gaza, mas que “com a Cisjordânia é diferente”. “Existe um movimento político em Israel, de colonos, que busca anexar a Cisjordânia a Israel. A Cisjordânia não fazia parte originalmente do Estado israelense. A disputa é principalmente por ser um território que continha essas cidades sagradas [da Bíblia], todos esses territórios muito importantes culturalmente, religiosamente. Até hoje são um ponto de muito conflito internacional de Israel com os países árabes”. 

Que países apoiam e reconhecem a Palestina?

Há mais de 100 países que reconhecem o Estado palestino, inclusive o Brasil, mas esse apoio político é muito mais expressivo no âmbito da ONU. O professor Maurício Santoro lembra que isso nem sempre se traduz em ajuda econômica efetiva. 
A posição brasileira tem sido a mesma desde 1948, quando Israel foi criado. O Brasil defende a criação dos dois Estados, de Israel e da Palestina, autônomos e independentes. 
Os Estados Unidos, por sua vez, têm uma aliança militar e política muito forte com Israel. Para muitos analistas, a estratégia geopolítica é, na avaliação deles, a principal explicação para o apoio praticamente incondicional do país a Israel.
O professor Maurício Santoro também reforça esse pensamento. “Hoje em dia é um consenso bipartidário nos Estados Unidos. Tanto democratas quanto republicanos concordam que essa aliança com Israel é algo muito importante para a política externa americana. Só que os Estados Unidos são uma grande potência que têm aliados e interesses muito diversificados, a exemplo de países árabes como Egito e a Jordânia. Então, embora os americanos apoiem muito Israel, também há limites.” 

Por que o Brasil não classifica o Hamas como terrorista?

O Brasil prevê na Constituição o repúdio a qualquer forma de terrorismo (artigo 4º). E também se coloca a favor de soluções pacíficas dos conflitos internacionais. Mas, embora o país condene o terrorismo, o governo brasileiro historicamente não tem uma lista de organizações classificadas como terroristas. Assim, o que o Brasil faz é seguir as determinações da ONU. 
A ONU nunca considerou o Hamas como grupo terrorista e o Brasil segue essa posição. Já países como Estados Unidos e os que fazem parte da União Europeia classificam o Hamas como terrorista.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a classificar o ataque do Hamas como “terrrorista”. Entretanto, segundo Lula, “não é porque o Hamas cometeu um ato terrorista contra Israel que Israel tem que matar milhões de inocentes”. 
Fonte: Agência Lupa Escrito por Iara Diniz e Ítalo Rômany

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